sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O menino que descobriu o vento


 Hoje, após inúmeras indicações e insistências de amigos assisti ao filme O menino que descobriu o vento. Confesso que gostei muito, que me surpreendi  inclusive. Contudo,
 tenho a mais absoluta consciência de que minhas impressões foram bastante distintas das dos meus amigos, no que diz respeito ao papel do conhecimento científico ali tratado. Até o momento em que o menino esta saindo de casa para a ida à escola pareceu apenas mais um filme comum. No entanto, no momento em que o personagem que representa o pai faz a brincadeira da orelha, que para saber quando está na ora de ir pra escola basta tocar a orelha com a mão do lado oposto ao membro tocado e o menino responde "isso valeu para o primeiro ano". Entendo que esse é o momento em que fica claro que o menino já apresentava conhecimentos escolares (científicos) acumulados e dominados. No decorrer do filme em que o menino começa buscar por referências, e descobre a geração de energia pelo movimento constante do pedal da bicicleta do professor e o dínamo como propulsor dessa energia é, no meu entender, a concretização da prática como critério de verdade (tal como afirma Karl Marx). Ou seja a materialização de uma teoria que o menino já tinha o conhecimento (ainda que sincrético, como defende o professor Dermeval Saviani), que após orientação do professor e suporte da bibliotecaria, tal conhecimento fora elevado ao conhecimento sintético (hipótese também defendida por Saviani). Ao meu modo de ver então, o menino precisou dos conhecimentos sistematizados da escola para chegar ao nível de compreensão na construção do moinho. É claro que se trata ainda de um aluno cujo repertório social não era o mesmo de seus colegas da comunidade, o que podemos observar nas falas da mãe, em especial quando ela diz que em seu casamento o primeiro pacto que fizera com o marido é que eles não recorreriam à metafísica (não rezariam a Deus) para conseguirem chuva, de acordo com ela, eles acreditariam na ciência. A irmã e todo enredo em torno da fracassada ida da mesma para a universidade, o que também na fala da mãe era enfatizado o tempo todo como algo distinto da maioria das mulheres da época, tanto mais do vilarejo onde moravam. O fato de a família dar bastante valor ao conhecimento e incentivá-lo, inclusive escasseando recursos da alimentação, por exemplo, mostra o meio no qual o menino cresceu, no que diz respeito à família. O que extraio do filme portanto é que, quando Saviani defende que o conteúdo escolar precisa partir da prática social, ele não está dizendo da prática social individual, mas daquela que é coletiva. O filme, muito provavelmente não tenha tido interesse em apresentar o cenário educacional de Malawi, porém não se refuta em tratar dos entraves políticos que emperram a mesma assim como precariza a vida da população. Na vida escolar de Kamkwamba não houve produção de conhecimento, e sim transmissão. O personagem não criou nenhum conhecimento novo, o que ele inaugurou, sem dúvidas, foi a possibilidade de pôr em ação o conhecimento sistematizado que recebeu da escola. É, portanto, neste sentido que sigo defendendo que a escola deva encarregar-se de transmitir conhecimentos historicamente produzidos pelo gênero humano, para que assim, quando a vida concreta exigir, tal conhecimento possa ser posto em prática. Se este adolescente, por exemplo, tivesse nascido num país, cujos recursos fossem fartos e os seus professores defendessem que somente a realidade do aluno fosse necessária para o aprendizado, deixando assim de transmitir o conhecimento elaborado das funções da física no que diz respeito a produção de energia através dos ventos, será que este menino teria condições de por si mesmo descobrir os fundamentos da física que desembocam na ação de produção de energia eólica e, consequentemente seria capaz de construir tal artefato que mudou a sua vida e a vida de toda a sua comunidade? A meu juízo ficou bastante claro o quanto um aluno instrumentalizado com conhecimento pode fazer a diferença mesmo que tais conhecimentos cheguem antes da necessidade de colocá-los em prática, à exemplo do filme, uma vez que fica claro que a problemática da super seca e do solo encharcado não ter sido uma realidade sempre, tornando-se assim apenas após o desmatamento desenfreado. Para mim, o filme é um repertório rico da exploração do capital, tanto no que diz respeito a natureza vegetativa, quanto à natureza humana, essa última sendo ilustrada na cena de espancamento do líder do grupo. Em fim, um filme que valeu bastante a pena assistir.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A farsa do ensino médio self-service

"Os estudantes não demorarão a perceber que a verdadeira liberdade de escolha continuará sendo privilégio dos que, na vida, sempre puderam frequentar restaurantes à la carte."*


 https://diplomatique.org.br/a-farsa-do-ensino-medio-self-service/








Direito a Educação | Brasil

por Débora Goulart e Fernando Cássio
12 de agosto de 2021    

domingo, 18 de julho de 2021

Bertolt Brecht



A árvore que não dá fruto

É xingada de estéril.

Quem examinou o solo?

O galho que quebra

É xingado de podre, mas

Não haveria neve sobre ele?

Do rio que tudo arrasta

Se diz que é violento

Ninguém diz violentas

Às margens que o cerceiam.

(Bertold Brecht).

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Como destruir a razão para manter a dominação.

Esse curso é uma tarefa obrigatória para todos que defendem a formação integral da classe trabalhadora. Um vídeo extremamente necessário e urgente. Atualíssimo, sobretudo em tempos de reforma do Ensino Médio e BNCC.




2ª Edição do Curso de Aperfeiçoamento "Movimentos Sociais e Crises Contemporâneas à luz dos clássicos do materialismo crítico"Tema: Introdução ao pensamento de György Lukács: ciência, ideologia e a destruição da razão. Professor: Angelica Lovatto Local: São Paulo Data: 25 de junho de 2016




Ciência, ideologia e a destruição da razão - Angelica Lovatto

sexta-feira, 11 de junho de 2021

REFORMA DO ENSINO MÉDIO E O TAL EMPRENDEDORISMO


Diz-se aos quatro cantos do país, quiçá do mundo, que é preciso reformar a escola, pois esta é uma instituição do século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI. O argumento cai como uma luva no nas mãos dos empresários da educação e, em especial da classe dominante que querem seguir precarizando mão de obra em todos os setores e caçando direitos trabalhistas e  sociais, no mesmo pacote. Em 1997 conclui meu Ensino Médio (a época segundo grau), no curso técnico em contabilidade. Era um período em que muito se falava em escola técnica, formação pra o trabalho, reivindicava-se que o sentido da escola, para a classe trabalhadora deveria estar em formar pessoas para adentrarem ao mercado de trabalho. A retórica por si já violenta os direitos educacionais dos alunos, uma vez que o comprometimento da educação escolar deveria ser com a ciência, com os conteúdos científicos, conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade, não fosse o agravante da disciplina mais importante para a formação ter seguido os dois anos finais sem o referido professor da especialização, tendo nós sido aprovados por meio de meros trabalhinhos. Vejam que estou falando de 1997, século XX, quando ainda existia algum resquício rasteiro de ciência na escola. De lá pra cá muita coisa mudou. A educação sofreu mais umas duas reformas diretas e muitas outras indiretas, todas no mesmo direcionamento, de demonizar a ideia de transmissão dos conteúdos, como se fossem estes o problema central da escola e, portanto deveria ser combatido. Os conteúdos passam a ser então o vilão da educação, a surpresa é que tal narrativa agrada e seduz alguns dos professores tal qual o canto da sereia, que até mesmo se põem em combate contra a escola tradicional em seu aspecto científico e passam a secundarizar os conteúdos em defesa de uma educação pautada naquilo que o aluno "precisa saber", naquilo que o aluno "irá usar um dia", como se fosse possível prever o futuro deste aluno e definir o que terá nele (e, em se tratando do capitalismo até entendemos que o futuro seja mesmo fadado a uma vida de exclusão, no entanto a luta deveria ser pelo fim o capitalismo e não pelo fim dos conteúdos, que podem, em alguma medida, instrumentalizar a classe trabalhadora quanto a consciência social, filosófica - portanto política -, e artística). Num ciclo sem fim de modificações no âmbito da educação, uma hora na educação infantil, outra no ensino fundamental e médio e até mesmo no ensino superior, sobretudo na formação de professores para o século XXI, chegamos nele então, e mais precisamente no ano de 2020/21, em plena pandemia com um pandemônio educacional instaurado. A reforma do Ensino Médio que promete a realização plena, geral e absoluta dos alunos, é, na verdade a pá de cal em toda e qualquer saída para uma formação com bases científicas, onde apenas língua portuguesa e matemática são consideradas disciplinas regulares e, portanto, obrigatórias, entretanto com carga horária reduzida, levando-nos a crer que os rudimentos de leitura, escrita e cálculos simples não só estarão mantidos como seguirão sendo rebaixados. A narrativa que ganha papel de centralidade e passa a figurar um norte de conquistas para os alunos apresenta o nome de EMPREENDEDORISMO. Bem, não bastasse todas as questões que envolvem esse mais novo sonho da classe trabalhadora, que de novo só tem o nome e o avanço da precarização para concretizá-lo, o tema do empreendedorismo na escola é muito mais narrativa ideológica que conteúdo em si. Não existe disciplina organizada, técnicos especializados, profissionais no assunto. É como se o simples fato de se falar a palavra a materialidade do conceito, se é que existe, virasse uma realidade. Ou seja, é a educação do pensamento positivo, se você pensar que pode ser um empreendedor, a despeito do avanço da miséria, dos níveis mais elevados da inflação, da crise desmedida do desemprego. É neste cenário que se pretende fazer-nos acreditar na reforma empreendedora da educação, é a porta da esperança de uma classe há anos excluída dos direitos sociais mais básicos. É a reforma do sonho, mas não da classe trabalhadora, por certo!

sábado, 22 de maio de 2021

EDUCAÇÃO: SOBRE DIFERENÇAS E DESIGUALDADES


H
á quem diga que a escola ao definir seu currículo e lançar mão de seus conteúdos precisa levar em conta as diferenças. Defendem ainda que cada sujeito tem seu tempo, seus interesses e suas condições. A priori não discordamos de todo,    defendemos no entanto, que é preciso definir qual o papel central da escola para compreender onde encaixa e onde se perde tal afirmativa. Do ponto de vista da pedagogia defendida pela classe hegemônica, e em alguma medida referendada por setores progressistas (seja por ingenuidade, seja por acordos espúrios), a educação precisa pautar-se pelos interesses do sujeito e pelas condições de seu entorno, a isso não podemos dar outro nome que não seja legalização da(s) desigualdade(s). Nós, de nossa parte, defendemos que a escola parta da realidade social existente par promover caminhos que possibilitem a inserção do filho da classe trabalhadora no mundo dos conhecimentos históricos, filosóficos, científicos e artísticos. Afinal fazemos nossas escolhas dentro do leque de possibilidades que nos é apresentado, do nosso dia a dia, se este leque for empobrecido, limitado, nossas escolhas também assim serão. Ora, se no cotidiano temos apenas arroz e feijão para nossa alimentação, não temos como escolher caviar, ainda que seja nosso interesse, caso tenhamos conhecimento da  existência de tal iguaria. Como bem diz a música de Zeca Pagodinho "Você sabe o que é caviar? Nunca vi, nem comi eu só ouço falar!" Pois bem, esse é o leque de possibilidades apresentado pela pedagogia burguesa aos filhos da classe trabalhadora. Impedem que a classe trabalhadora conheça as características, do ponto de vista qualitativo e econômico do caviar, não negam a existência, mas incentivam o desinteresse dada a distância da posse, assim ocorre com o conhecimento, e não apenas ao aluno, mas também ao professor que forma essa classe (trabalhadora). Diferença, portanto, é a cor dos olhos, do cabelo, a estatura, a estética, o prazer ou não prazer. O que a educação da classe burguesa propõe é desigualdade. É abortar o futuro do povo trabalhador, que em sua maioria tem diferenças pontuais no que diz respeito à raça e sobretudo classe. Logo, a pedagogia burguesa usa a diferença para legitimar as desigualdades, uma vez que, se apenas a elite econômica do país te
m acesso aos conhecimentos hitoricamente produzidos, está nas mãos dela os melhores postos de trabalho, as melhores cadeiras nas universidades, as melhores chances de compreenderem os processos nos quais se formam as questões sociais seja no âmbito da política, filosofia, história e ciência. Está nas mãos da classe burguesa conhecer as bases sociais em que vivemos e demandar dela seus interesses, inclusive escamoteando a realidade e usando de premissas aparentemente verdadeiras para impregnar novos direcionamentos,  usando por vezes narrativas aparentes para criar necessidades inexistentes. É, pois no seio da classe burguesa, que se legitima a desigualdade, que nasce as mais falaciosas retóricas cujo objetivo seja frustrar ações da classe trabalhadora, exemplo bem marcante de tal falácia reside na tão propalada verbosidade em que afirmava fazer mal o consumo de manga com leite, a argúcia dos proprietários de terra que ensejavam manter intactas tuas propriedades, ainda que seus trabalhadores, em sua maioria escravos morressem de fome levou a cabo uma das afirmativas mais esvaziada de sentido científico já existente, usando casos isolados como exemplo e ignorando as condições sociais e econômicas dos trabalhadores expostos à riscos de mortes atribuídos levianamente à manga e ao leite, que hoje rendem um delicioso mousse. É urgente, então, entender que uma pedagogia que recorre as diferenças para legitimar as desigualdades precisa ser combatida. Não obstante não basta apenas desejar combatê-la, mas munir-se de conhecimento para que tal combate alcance objetividade e resultados, ao que, no meu modo de perceber apenas a Pedagogia Histórico-crítica vem dando conta de atender as necessidades urgentes da classe trabalhadora de dominar o que a classe dominante não apenas domina, todavia, que ano após ano vêm consolidando-se como proprietária exclusiva dos conhecimentos genéricos, humanamente produzidos pela classe de trabalhadores, ainda que respeitando seus estratos mais distintos. É urgente, por conseguinte, travar uma batalha ferrenha para trazer de volta para o seio da escola aquilo que ela tem, por excelência como fundamental: o conhecimento!

segunda-feira, 29 de março de 2021

SOBRE RACISMO E USO POLÍTICO DA RAÇA


 Nos últimos tempos, em que  questão de gênero e raça ganha corpo e engrossa a luta por direitos e garantias de grupos historicamente negligenciados em sua humanidade seja pela cor da pele, ou pelo gênero ao qual pertence, tem crescido também o oportunismo político em torno de tais pautas, urgentes, necessária e fundamentais para a garantia da humanidade desses grupos. Na história do Brasil, capitães do mato, homens pretos, mas muitos brancos e mestiços também, açoitavam outros homens, mulheres e crianças pretas em nome dos senhores de terra, numa relação de poder imaginária, visto que o poder continuava sendo dos senhores, e os capitães apenas os que usavam a força, que inclusive se voltava, em alguns casos, para eles mesmo. O país, que se quer dá mostra de liberdade aos povos trabalhadores, e menos ainda aos povos pretos e as mulheres, vem sofrendo nas mãos de grupos que legitimam a perversidade contra os seus iguais, seja pela classe a que pertencem (trabalhadora), seja pela raça e/ou gênero. Não bastasse a legitimação das perversidades, como vem ocorrendo na Secretaria Municipal de Educação da cidade de Cabo Frio, onde o secretário de educação, professor, homem negro, vem açoitando seus companheiros de trabalho, no mesmo requinte de perversidade que nossos ancestrais, capitães do mato. No último contra cheque esses trabalhadores tiveram mais de 94% de perda de seus salários por exercerem um direito constitucional à greve, sobretudo nesse momento de incertezas sobre a saúde e a vida, massacre esse pelas mãos de um homem negro, professor e agora, secretário de educação. Não contente com a perversidade desferida aos que um dia já foram seus companheiros de trabalho, e que logo, logo voltarão a ser, e a história não permitirá que essa lembrança se apague, partidários do senhor secretário, homem negro, professor, vem dando uso político para uma pauta tão importante como a do racismo para atribuir tal comportamento a um sindicato e uma categoria que cobra e de forma extremamente acertada, tal perversidade de um homem negro, professor, e portanto capitão do mato, como bem a história nos mostrou ao longo de toda escravidão. Ora senhor Flávio, não queira status de Zumbi dos Palmares quando tua postura é de capitão do mato, e dos mais perversos! 

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Educação mercadoria e mercadoria educação


 A Cogna (gigante da educação privada) e a Eleva, fizeram acordo de mais de meio bilhão de reais, na última semana (clique aqui) dominando assim o mercado privado da educação básica. Se essa ação por si só não desperta na classe docente uma interrogação sobre as novas demandas da educação pública, inclusive reivindicada pelo maior acionista da educação privada no país, significa que há muito temos ignorado a função social da escola, qual seja, de formar a classe trabalhadora em condições de dominar os conhecimentos historicamente produzidos e com vistas à emancipação humana. Na medida em que grandes corporações adquirem com recursos milionários empresas de conhecimento, significa dizer, imediatamente, que esses conhecimentos serão privatizados. Portanto, não será dada a classe trabalhadora condições de se apropriar dos mesmos, e nem se quer minimamente, não a toa, a nova BNCC que de nova só tem a efetivação normativa nos currículos escolares, exclui de maneira muito clara o acesso ao conhecimento para a classe trabalhadora, secundarizando e até dispensando os conteúdos. Num discurso cínico e demagógico os idealizadores da BNCC, proprietários desses aparelhos privados de hegemonia (donos de grandes corporações educacionais), dos quais entram a Fundação Leman -proprietária da Eleva -, o Todos pela Educação, Instituto Natura, Fundação Itaú, entre muitos outros, afirmam que "o país sempre naturalizou desigualdades educacionais" em relação ao acesso à escola, à permanência dos estudantes e a seu aprendizado. Afirmam ainda que são amplamente conhecidas as enormes desigualdades entre os grupos de estudantes definidos por raça, sexo e condição socioeconômica de suas famílias. O que não dizem, contudo é porque para uma classe, a que domina, os conhecimentos continuam sendo base fundante de sua formação, enquanto para a classe menos favorecida apenas competências, em destaque as competências emocionais, para aceitar facilmente as contradições do mundo em que vivem?! O referido documento, reforçando a LDBN de 1996 enfatiza que a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e da prática social, ou seja, muda mas quase nada, e ainda esconde a que mundo do trabalho se referem, o que não afirmam, no entanto é de que mundo do trabalho se trata, claro que temos uma pista, a única, trata do mundo do trabalho precarizado que vem sendo implantado nos países explorados pelo capital, onde o trabalhador não tem direitos, precisa dispor das ferramentas para o trabalho, não possui horas de descanso, ou seja, é a uberização* dos sujeitos, donos de suas ferramentas de trabalho, sem direito à saúde, férias, fundo de garantia, descanso remunerado, seguro acidente de trabalho e etc. É nessa lógica de precarização que a BNCC define o mundo do trabalho, sujeitos com o mínimo de conhecimentos científicos, apenas os rudimentos de leitura, escrita e cálculos matemáticos simples servindo como exército industrial de reserva ao capital. As propostas de formação elaborada por esses aparelhos privados de hegemonia, com aval do estado, uma vez que esses grupos incorporam e comandam os conselhos educacionais país afora é de exclusão do trabalhador de um mundo menos desigual, em que eles possam estar em pé de igualdade com os filhos da classe burguesa na hora de disputar vagas em postos de trabalhos ou em bancos de universidades, mas, principalmente de negar que os dominados se apropriem dos conhecimentos que os dominadores dominam. Diante desse agigantamento dos APHs** da educação básica é preciso que os educadores compreendam o significado e a importância de vencer a disputa pela posse dos conhecimentos e mais que isso pelo direito de transmiti-los aos filhos da nossa classe.

*Ricardo Antunes, no livro O privilégio da servidão, elaborou a categoria uberização do trabalho, por entender que esse momento em que se encontra a forma de exploração capitalista a palavra precarização já não dá mais conta de explicitar o nível de exploração e desvalorização da força de trabalho.

**Aparelhos Privados de Hegemonia

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O dia em que Carlos Drummond de Andrade leu-me

 


A Flor e a Náusea 

Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. 

Melancolias, mercadorias, espreitam-me. 

Devo seguir até o enjôo? 

Posso, sem armas, revoltar-me? 

Olhos sujos no relógio da torre: 

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

 O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. 

O tempo pobre, o poeta pobre

 fundem-se no mesmo impasse.

 Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

 Sob a pele das palavras há cifras e códigos. 

O sol consola os doentes e não os renova.

 As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. 

Vomitar este tédio sobre a cidade. 

Quarenta anos e nenhum problema

 resolvido, sequer colocado. 

Nenhuma carta escrita nem recebida. 

Todos os homens voltam para casa.

 Estão menos livres mas levam jornais

 e soletram o mundo, sabendo que o perdem. 

Crimes da terra, como perdoá-los? 

Tomei parte em muitos, outros escondi. 

Alguns achei belos, foram publicados. 

Crimes suaves, que ajudam a viver.

 Ração diária de erro, distribuída em casa. 

Os ferozes padeiros do mal. 

Os ferozes leiteiros do mal.

 Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

 Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

 Porém meu ódio é o melhor de mim. 

Com ele me salvo 

e dou a poucos uma esperança mínima. 

Uma flor nasceu na rua! 

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. 

Uma flor ainda desbotada 

ilude a polícia, rompe o asfalto. 

Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 

garanto que uma flor nasceu. 

Sua cor não se percebe. 

Suas pétalas não se abrem. 

Seu nome não está nos livros.

 É feia. Mas é realmente uma flor. 

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

 e lentamente passo a mão nessa forma insegura. 

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. 

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

 É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. 

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Por uma educação contra hegemônica

 




Esse texto inicia com uma pergunta feita por uma amiga leitora no texto anterior Em que medida a escola pode ser espaço contra hegemônico? Como construir isso no cotidiano escolar? Como indivíduos tão imersos e subjugados à essa lógica e que se desumanizam no desempenho das suas atividades podem se transformar em sujeitos coletivos e insurgentes?  Responder essas questões não é tarefa fácil e tampouco definitiva, sobretudo por entender a educação, enquanto instituição, como um projeto burguês cuja algumas das finalidades seja de manter a ordem social estabelecida. Diante disso, pensar uma educação contra hegemônica só é possível se pensarmos na formação do professor com vistas a emancipação humana, levando em conta a formação para o domínio dos conhecimentos historicamente produzidos, inclusive nesta sociedade. É, pois nesse aspecto então que esbarramos com a realidade que está posta. Uma vez que a formação do professor no Brasil e na maioria dos países periféricos do capital se dá de forma a atender as expectativas do mesmo, não a toa as reformas educacionais ao longo dos anos impele os professores a formação comportamental e emocional do aluno, enquanto indivíduo, ignorando a formação social para o desenvolvimento na e para a sociedade. É preciso lembrar que para os defensores duma educação transformadora, os avanços dela se dá mediante a formação plena dos indivíduos para a vida em sociedade, seja no que diz respeito aos clássicos científicos, e por clássicos se entende aquilo que está em pleno vigor na atualidade, logo o que não foi superado, não foi substituído, seja nas concepções de relações sociais humanas, artísticas da natureza... Vale atentar ainda para a triste e violenta realidade de que a formação do professor, que tal qual a formação do aluno, também vem seguindo a lógica das competências emocionais, sob a bandeira da resiliência, um canto da sereia, como diz o professor Newton Duarte, para aprisionar professores na ideia de que seus fracassos ou "sucessos" sejam frutos da capacidade, ou falta dela, de se reinventarem. Isso posto, em que medida podemos construir essa escola contra hegemônica? Primeiro apontando as contradições do próprio sistema, suas lacunas, suas falsificações, ainda assim não se apresenta tarefa fácil. É urgente, todavia provocar a consciência dos professores para o sonho que a educação burguesa vem tentando vender ao longo de décadas e que não apresenta qualquer possibilidade de realizar-se, o sonho do pleno emprego, o sonho de que a educação pode abrir as portas para um futuro promissor, de que a escola pode sozinha resolver questões sociais e econômicas. São nessas falsificações que a proposta de escola contra hegemônica precisa ser pensada, uma vez que ao longo de séculos a escola burguesa atuou com papel de exclusão fundamental, mantendo a lógica perversa de formar mão-de-obra barata, descartável e em grande escala, promovendo o exército industrial de reserva. É urgente portanto construir na massa de trabalhadores da educação a noção de que a lógica dominante para a educação não coaduna com o projeto educacional do qual os educadores defendem, mesmo o professor que, porventura tenha tido a mais rasa ou frágil formação, tem por certo que a escola precisa preparar o sujeito para conhecer a si e ao mundo, no entanto, é o conceito de mundo que vem sendo negado não só aos estudantes, como aos professores que os formam, limitando o conceito universal para local, definindo que o sujeito precisa apenas dominar aquilo que lhe é próprio, do seu espaço, seu ambiente, dificultando, com isso que esses sujeitos rompam com o senso comum e ascendam à consciência filosófica. Portanto, só se constrói uma educação contra hegemônica, se se dispõe a romper com a lógica burguesa dominante. E o papel da escola nesse sentido é formar a classe trabalhadora nas bases científicas, históricas, humanas, artísticas e sociais. Rebelar-se contra esse projeto nefasto de educação é preciso, e já!