"Na Grécia antiga, quando a sociedade se mantinha pela utilização do trabalho escravo, e a escola era o lugar do ócio e da prática de esportes, as funções intelectuais ficavam restritas a uma pequena parcela da sociedade. Na Idade Média, a sociedade era sustentada pelo trabalho servil, pelo cultivo da terra, desenvolvido segundo técnicas simples e reiterativas que não exigiam a incorporação de conhecimentos sistemáticos. “Quem se dedicava ao trabalho intelectual era a parcela dos intelectuais, fundamentalmente concentrada no clero."http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupro.html#:~:text=246)%2C%20f%C3%A1brica%20e%20escola%20nascem,249).
(...)"o homem, por via do trabalho, passa a controlar seu comportamento, da mesma forma que domina a natureza. Esse movimento não é individual, mas fundamentalmente coletivo e responsável pela constituição da cultura. Como resultado desse processo, temos que o homem singular (o indivíduo) humaniza-se, torna-se parte do gênero humano (universalidade) ao produzir-se a si mesmo por meio do trabalho(...)" https://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n3/05.pdf
Seria a escola espaço de humanização? O trabalho de fato dignifica o homem? Questões como essas não se confirmam, uma vez que feitas dentro da sociedade capitalista. Sobre a escola e o trabalho, por exemplo, a primeira epígrafe nos mostra que a escola só se abre para a classe trabalhadora quando ela objetiva formar (deformar) para o trabalho nas fábricas. E nesse mesmo momento em que ela se expande, no Brasil, por exemplo, se estabelece o dualismo educacional onde para os filhos da classe dominante a estrutura educacional omnilateral se mantém, enquanto para os da classe operária, trabalhadora, o objetivo é "oferecer formação adequada (...) aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho." Ora, se o objetivo da escola burguesa para a classe trabalhadora é a formação para o trabalho, e trabalho esse dentro da lógica desumana do capital, em que medida a escola poderia humanizar? Com base na segunda epígrafe a afirmativa anterior aparenta perder sentido, isso no entanto não a invalida, tampouco a epígrafe citada se faz nula, ocorre, portanto, que de fato o ser humano é transformado pelo trabalho, o trabalho, contudo é definido pelas relações sociais, que na sociedade capitalista, e no avanço da divisão social do trabalho a operação que se dá esta na via inversa da proposição acima, uma vez que o ser não detém o controle de seu comportamento, que é definido pelas regras impostas em tais relações, não domina a natureza, levando em conta a fragmentação e a alienação do objeto do trabalho, além de perder a coletividade, uma vez que as tarefas se complementam, mas não estão necessariamente interligadas, e a competição proposta nos ambientes de trabalho.
Na esteira do processo de avanço do capitalismo, sobretudo o que tange a modernização das industrias, surge o advento da escola para a classe trabalhadora. Essa escola, ao contrário da existente para a classe dominante como espaço de ócio, de conhecimento das ciências que explicam a natureza, para a classe trabalhadora surge objetivando moldar o sujeito para o trabalho, para o exercício da função, com movimentos coordenados, falas objetivas e cobranças de produções determinadas.
A ampliação da escola para a classe trabalhadora se dá a mais de um século, no entanto sua estrutura dual se mantém atual e com grande aprofundamento. A recente implementação da BNCC que pauta a organização curricular nas competências, em especial nas competências sócio emocionais, enfatizando empatia e resiliência, não pode passar por nós despercebida. Ora, numa escola que surge pra preparar um grupo para o serviço, logo, a manutenção da ordem social para o trabalho, competências como as mencionadas estão claramente dispostas para acomodar os corpos fazendo-os, inclusive culparem-se, pelos fatídicos desempregos, ou subempregos. Não podemos ignorar que a reforma trabalhista implementada na mesma época da inserção da BNCC na escola, propõe a uberização do trabalhador promovendo a precarização do mesmo. Significa dizer, que a escola precisa preparar esses sujeitos para atuarem nesse modelo de sociedade uberizada, subempregada e sem se revoltar contra o sistema, sendo resiliente e empática com o sistema.
Diante disso, só podemos concluir, que a escola, na forma como está organizada, preparando os sujeitos para o 'mercado de trabalho', mercado esse que é volátil e que por isso mesmo fortalece a culpabilização do trabalhador afirmando que o desemprego, num mercado de trabalho fictício, é por falta de empenho do mesmo, e que por isso, ele precisa ser resiliente e se reinventar. Com isso o sujeito alijado das condições econômicas para formar-se com vistas a atuar nesse cenário mutante, acredita ser de si mesmo, ou do outro, a responsabilidade, ou a culpa do fracasso. É nesse sentido que a escola contribui para a desumanização do ser humano, quando o forma para atender essa estrutura social capitalista, que por si já é desumana e ainda excludente. É preciso resistir!
Obrigada por nos instigar a refletir sobre isso, Martha. Educar para atender às demandas do mundo do trabalho
ResponderExcluiré o pilar das políticas educacionais, e assim a escola se (re)afirma como espaço da reprodução da ordem. Mas em que medida a escola pode ser espaço contra hegemônico? Como construi isso no cotidiano escolar? Como indivíduos tão imersos e subjugados à essa lógica e que se desumanizam no desempenho das suas atividades podem se transformar em sujeitos coletivos e insurgentes? Deixo aqui algimas questões pra gente ir conversando. Parabéns pelo texto!
Sim, Carla. Mas consegue ser ainda frustrante quando na reconfiguração da estrutura capitalista o trabalho tenha incorporado níveis mais elevados de alienação. Hoje a escola está a serviço da formação para o mercado de trabalho, algo que não existe objetivamente, ou seja, a escola forma seres adaptáveis, sob a nomenclatura sedutora de "competências". Tua pergunta é muito pertinente e, por isso já estou iniciando o próximo texto a partir dela. Grande beijo e muito obrigada.
ResponderExcluirExcelente texto, companheira! Esse debate precisa estar na escola, em nossas salas de aula, nos corredores, na sala dos professores, nos sindicatos... A negação e a aversão de uma parte significativa da categoria docente (em todos os níveis de ensino!!!) a esse debate, tem nos colocado em situação desfavorável frente a todos os ataques já impostos, e outros que estão a caminho. Mais que isso, a negação desse debate impede que tiremos consequências dele. Tudo isso, entre outros elementos, vem operando para um recuo das lutas dos trabalhadores da educação. O que fazer? Lutar! Com quem? Com todos que consigam enxergar que a saída, que a transformação deve ser construída. A transformação não está dada!
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