sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O menino que descobriu o vento


 Hoje, após inúmeras indicações e insistências de amigos assisti ao filme O menino que descobriu o vento. Confesso que gostei muito, que me surpreendi  inclusive. Contudo,
 tenho a mais absoluta consciência de que minhas impressões foram bastante distintas das dos meus amigos, no que diz respeito ao papel do conhecimento científico ali tratado. Até o momento em que o menino esta saindo de casa para a ida à escola pareceu apenas mais um filme comum. No entanto, no momento em que o personagem que representa o pai faz a brincadeira da orelha, que para saber quando está na ora de ir pra escola basta tocar a orelha com a mão do lado oposto ao membro tocado e o menino responde "isso valeu para o primeiro ano". Entendo que esse é o momento em que fica claro que o menino já apresentava conhecimentos escolares (científicos) acumulados e dominados. No decorrer do filme em que o menino começa buscar por referências, e descobre a geração de energia pelo movimento constante do pedal da bicicleta do professor e o dínamo como propulsor dessa energia é, no meu entender, a concretização da prática como critério de verdade (tal como afirma Karl Marx). Ou seja a materialização de uma teoria que o menino já tinha o conhecimento (ainda que sincrético, como defende o professor Dermeval Saviani), que após orientação do professor e suporte da bibliotecaria, tal conhecimento fora elevado ao conhecimento sintético (hipótese também defendida por Saviani). Ao meu modo de ver então, o menino precisou dos conhecimentos sistematizados da escola para chegar ao nível de compreensão na construção do moinho. É claro que se trata ainda de um aluno cujo repertório social não era o mesmo de seus colegas da comunidade, o que podemos observar nas falas da mãe, em especial quando ela diz que em seu casamento o primeiro pacto que fizera com o marido é que eles não recorreriam à metafísica (não rezariam a Deus) para conseguirem chuva, de acordo com ela, eles acreditariam na ciência. A irmã e todo enredo em torno da fracassada ida da mesma para a universidade, o que também na fala da mãe era enfatizado o tempo todo como algo distinto da maioria das mulheres da época, tanto mais do vilarejo onde moravam. O fato de a família dar bastante valor ao conhecimento e incentivá-lo, inclusive escasseando recursos da alimentação, por exemplo, mostra o meio no qual o menino cresceu, no que diz respeito à família. O que extraio do filme portanto é que, quando Saviani defende que o conteúdo escolar precisa partir da prática social, ele não está dizendo da prática social individual, mas daquela que é coletiva. O filme, muito provavelmente não tenha tido interesse em apresentar o cenário educacional de Malawi, porém não se refuta em tratar dos entraves políticos que emperram a mesma assim como precariza a vida da população. Na vida escolar de Kamkwamba não houve produção de conhecimento, e sim transmissão. O personagem não criou nenhum conhecimento novo, o que ele inaugurou, sem dúvidas, foi a possibilidade de pôr em ação o conhecimento sistematizado que recebeu da escola. É, portanto, neste sentido que sigo defendendo que a escola deva encarregar-se de transmitir conhecimentos historicamente produzidos pelo gênero humano, para que assim, quando a vida concreta exigir, tal conhecimento possa ser posto em prática. Se este adolescente, por exemplo, tivesse nascido num país, cujos recursos fossem fartos e os seus professores defendessem que somente a realidade do aluno fosse necessária para o aprendizado, deixando assim de transmitir o conhecimento elaborado das funções da física no que diz respeito a produção de energia através dos ventos, será que este menino teria condições de por si mesmo descobrir os fundamentos da física que desembocam na ação de produção de energia eólica e, consequentemente seria capaz de construir tal artefato que mudou a sua vida e a vida de toda a sua comunidade? A meu juízo ficou bastante claro o quanto um aluno instrumentalizado com conhecimento pode fazer a diferença mesmo que tais conhecimentos cheguem antes da necessidade de colocá-los em prática, à exemplo do filme, uma vez que fica claro que a problemática da super seca e do solo encharcado não ter sido uma realidade sempre, tornando-se assim apenas após o desmatamento desenfreado. Para mim, o filme é um repertório rico da exploração do capital, tanto no que diz respeito a natureza vegetativa, quanto à natureza humana, essa última sendo ilustrada na cena de espancamento do líder do grupo. Em fim, um filme que valeu bastante a pena assistir.

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