Diz-se aos quatro cantos do país, quiçá do mundo, que é preciso reformar a escola, pois esta é uma instituição do século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI. O argumento cai como uma luva no nas mãos dos empresários da educação e, em especial da classe dominante que querem seguir precarizando mão de obra em todos os setores e caçando direitos trabalhistas e sociais, no mesmo pacote. Em 1997 conclui meu Ensino Médio (a época segundo grau), no curso técnico em contabilidade. Era um período em que muito se falava em escola técnica, formação pra o trabalho, reivindicava-se que o sentido da escola, para a classe trabalhadora deveria estar em formar pessoas para adentrarem ao mercado de trabalho. A retórica por si já violenta os direitos educacionais dos alunos, uma vez que o comprometimento da educação escolar deveria ser com a ciência, com os conteúdos científicos, conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade, não fosse o agravante da disciplina mais importante para a formação ter seguido os dois anos finais sem o referido professor da especialização, tendo nós sido aprovados por meio de meros trabalhinhos. Vejam que estou falando de 1997, século XX, quando ainda existia algum resquício rasteiro de ciência na escola. De lá pra cá muita coisa mudou. A educação sofreu mais umas duas reformas diretas e muitas outras indiretas, todas no mesmo direcionamento, de demonizar a ideia de transmissão dos conteúdos, como se fossem estes o problema central da escola e, portanto deveria ser combatido. Os conteúdos passam a ser então o vilão da educação, a surpresa é que tal narrativa agrada e seduz alguns dos professores tal qual o canto da sereia, que até mesmo se põem em combate contra a escola tradicional em seu aspecto científico e passam a secundarizar os conteúdos em defesa de uma educação pautada naquilo que o aluno "precisa saber", naquilo que o aluno "irá usar um dia", como se fosse possível prever o futuro deste aluno e definir o que terá nele (e, em se tratando do capitalismo até entendemos que o futuro seja mesmo fadado a uma vida de exclusão, no entanto a luta deveria ser pelo fim o capitalismo e não pelo fim dos conteúdos, que podem, em alguma medida, instrumentalizar a classe trabalhadora quanto a consciência social, filosófica - portanto política -, e artística). Num ciclo sem fim de modificações no âmbito da educação, uma hora na educação infantil, outra no ensino fundamental e médio e até mesmo no ensino superior, sobretudo na formação de professores para o século XXI, chegamos nele então, e mais precisamente no ano de 2020/21, em plena pandemia com um pandemônio educacional instaurado. A reforma do Ensino Médio que promete a realização plena, geral e absoluta dos alunos, é, na verdade a pá de cal em toda e qualquer saída para uma formação com bases científicas, onde apenas língua portuguesa e matemática são consideradas disciplinas regulares e, portanto, obrigatórias, entretanto com carga horária reduzida, levando-nos a crer que os rudimentos de leitura, escrita e cálculos simples não só estarão mantidos como seguirão sendo rebaixados. A narrativa que ganha papel de centralidade e passa a figurar um norte de conquistas para os alunos apresenta o nome de EMPREENDEDORISMO. Bem, não bastasse todas as questões que envolvem esse mais novo sonho da classe trabalhadora, que de novo só tem o nome e o avanço da precarização para concretizá-lo, o tema do empreendedorismo na escola é muito mais narrativa ideológica que conteúdo em si. Não existe disciplina organizada, técnicos especializados, profissionais no assunto. É como se o simples fato de se falar a palavra a materialidade do conceito, se é que existe, virasse uma realidade. Ou seja, é a educação do pensamento positivo, se você pensar que pode ser um empreendedor, a despeito do avanço da miséria, dos níveis mais elevados da inflação, da crise desmedida do desemprego. É neste cenário que se pretende fazer-nos acreditar na reforma empreendedora da educação, é a porta da esperança de uma classe há anos excluída dos direitos sociais mais básicos. É a reforma do sonho, mas não da classe trabalhadora, por certo!
É preciso "reformar" a sociedade e a nossa cultura social que está submetida a dominação política e não vive o processo democrático
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