domingo, 25 de outubro de 2020

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRECARIZAÇÃO À SERVIÇO DA PRIVATIZAÇÃO


"No Brasil, há uma preocupação particular com o crescimento da formação docente a distância. Apesar de a lei estabelecer que a FID* deve ser preferencialmente presencial, a modalidade a distância vem se expandido de forma notável nos últimos anos e atualmente quase 40% dos jovens que estudam cursos superiores de magistério estão matriculados em programas de educação a distância." (Profissão Professor  na América Latina Por que a docência perdeu prestígio e como recuperá-lo?)  O trecho que inicia essa reflexão tem por objetivo discutir políticas para a formação do professor na América Latina, e toma por análise a falta de qualidade na educação nesses países e em especial no Brasil. A discussão desenvolvida no referido trabalho atribui a má qualidade da educação tanto a falta de valorização financeira dos professores quanto ao despreparo acadêmico destes e a falta de vocação. Embora os autores citem, descompromissadamente, a formação desses profissionais na modalidade à distância, não levam em conta que a maior parte das matrículas nos cursos de formação de professores se dá nas instituições privadas e sobretudo, nessa modalidade a distância. É importante trazer a reflexão que a maioria dos profissionais formados pelas universidades públicas, os quais se debruçam em pesquisas e aprofundam tanto no que diz respeito a função social da educação, quanto aos conteúdos específicos do fazer docente, optam em seguir carreira de pesquisas, ou  fora das salas de aula. Essa opção se dá mais pelo engessamento da prática educativa, determinada pelos organismos internacionais, como o BID, por exemplo, que financia, o livro aqui citado, e que é avalizada, legitimada e legalizada pelas esferas públicas educacionais, que puramente pela falta de valorização econômica. Ou seja, no chão da escola a desvalorização do esvaziamento pedagógico é, infinitamente maior que o financeiro. Não se pode desconsiderar que, no tocante as demais carreiras cujo nível de formação seja o mesmo, a valorização salarial seja mais que o dobro em relação aos professores, no entanto a falta de autonomia no trabalho, o distanciamento do que seja a função social da educação e o que concretamente se realiza no chão da escola, traz impactos irreconciliáveis, tanto no professor, que perde a identificação com suas funções, quanto para os alunos, ao observarem que as escolas apenas reforçam o que eles já têm em estágio sincrético, e que apenas será reforçada a síncrese, sem que lhes seja apresentado os caminhos para a síntese (como propõe o professor Dermeval Saviani). A sociedade que, ao observar a não diferenciação da escola para os demais espaços de convivência, acaba por considerá-la depósito de crianças e adolescentes com vistas a certificação. Se a escola, portanto, não recuperar, o quanto antes suas funções próprias, qual seja: "elevar o sujeito do senso comum à consciência filosófica" (Saviani), o professor, sujeito de domínio dos conteúdos capazes de promoverem tal consciência, continuará sendo visto como um membro da família, que inclusive precisa ser grato por 'ter  a chance de cuidar dos sobrinhos', e que por isso, precisam "trabalhar por amor", apresentar apenas aquilo que dê prazer ao aluno, aquilo que não o invada. E , ainda, para se entender o que pretende essa análise, lembrem que as avaliações internacionais/externas, tomam por base as ciências (conhecimentos historicamente produzidos socialmente), como a escola pública, ou em alguma medida, a privada que atende ao filho da classe trabalhadora, apenas promovem o cotidiano da criança, não é de estranhar que apenas as escolas mais elitizada tenham desemprenho ideal. Um ponto importante neste diálogo é que parte dos professores que atuam na rede pública, também o fazem nas privadas que alcançam bom desempenho, conclui-se, portanto que o problema, não seja apenas a formação deste trabalhador, e também, e principalmente a autonomia que o mesmo não tem para desenvolver seu trabalho. Ressalto, contudo, que na esfera privada a autonomia está exclusivamente ligada ao que tange a transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos, e se limitando aí, o que, no caso do professor da escola pública essa relação se inverte, nenhuma autonomia para trabalhar conteúdos, e mais autonomia para demais atuações. É importante estarmos atento então para o que está posto nessa retórica de má formação, ou de incapacidade profissional ou ainda de falta de "vocação", uma alegação rasteira, que carrega em si todas as contradições possíveis e que tem por mote privatizar e, em alguns casos, terceirizar tais profissionais, alegando maiores salários na base da meritocracia que usurpa de forma substancial todos os direitos conquistados sob muita luta. Direitos como; piso salarial nacional, já em debate para sua extinção, reserva de 1/3 da carga horária para planejamento, férias e recesso escolar, estão sob o risco de serem substituídos por gratificações por desempenho. Com a meritocracia e salários vinculados a avaliação de um suposto desempenho, esses direitos serão retirados, sutilmente, utilizando-se o discurso de que merece ganhar mais quem tem "melhor" desempenho. E assim se destrói direitos coletivos, implementasse valorização seletiva e individual, cria-se competição no espaço de trabalho, dificultando a organização da  luta em defesa de direitos, e como resultado, adoecimento e precarização da profissão e , em alguma medida, na qualidade da formação dos estudantes. É preciso estarmos atento. Não há, em toda a história da humanidade, vitória para o trabalhador que não tenha sido resultado de luta do próprio trabalhador organizado. 

*FID - Formação Inicial Docente

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

CONHECIMENTO COMO MERCADORIA E PROPRIEDADE PRIVADA DE UMA CLASSE


 A história da educação no Brasil é carregada de reformas, alterações e investidas em que se afirma ser investimento na qualidade. No entanto, a primeira observação que precisamos fazer é que, via de regra, quando essas reformas e/ou alterações ocorrem elas não se dão no diálogo com os agentes fundamentais do processo educativo e que são eles; professores em primeiro lugar, seguidos dos alunos e sociedade por fim. Em geral, tais alterações são feitas por entidades e fundações que auto intitulam-se defensoras da qualidade da educação, sem contudo definir sob quais bases está fundamentada a ideia de qualidade. É comum observar ainda que tais fundações/entidades e afins carregam ligações com bancos e empresas privadas de educação e, sob a legenda de educação de qualidade para a América Latina, vale lembrar que o conceito de qualidade para esse grupo, porém, além de não apresentar materialidade, confronta as proposta de qualidade dos pesquisadores em educação, que se baseia na emancipação do ser humano, implementam políticas educacionais que distancia o aluno dos conhecimentos que já foram produzidos pela humanidade e os submergem ao senso comum que já lhes é inerente. Ora, não podemos ser ingênuos, ou não deveríamos sê-lo, em pensar que tanto banco quanto empresas privadas primem pela qualidade da educação. É  urgente e fundamental compreender que a história da educação no mundo e em especial no Brasil e na América Latina, pensada por grupos hegemônicos privados e econômicos, e fundamentada na formação de mão de obra para atender a estrutura social que aí está posta, não se proporá a apresentar alternativas que garantam formação de qualidade a uma classe que dentro da estrutura vigente precisa submeter-se as determinações dessa sociedade. Logo, para o conjunto desses pseudos defensores da educação, que em sua maioria têm formação na área de economia, a educação ministrada na esfera pública precisa manter a roda girando, e para isso esses futuros trabalhadores não podem 'perder tempo' com pensamentos considerados abstratos, como a compreensão dos processos histórico nos quais as sociedades foram formadas, tampouco podem acumular conhecimentos historicamente desenvolvido por essa mesma sociedade. O acúmulo, a detenção e o domínio de tais conhecimentos fica reservado à classe dominante, ou seja, fica garantido e reservado a esta classe que advoga educação significativa, sem esclarecer contudo o que seja o termo, afiançando assim a manutenção do seu status quo. Para a classe que fica na base da pirâmide, portanto reserva-se a apropriação, e sem domínio, dos rudimentos da leitura e da escrita, além de cálculos básicos, com nenhuma complexidade, para que assim possa ser, inclusive grato, pelo 'mercado de trabalho' que o absorveu, visto que do lado de fora ficaram milhares. Vale ressaltar que esse mercado de trabalho é uma abstração, uma efemeridade, o que é sinônimo de 'empregabilidade' hoje é possivelmente desemprego amanhã. É a educação a serviço da obsolescência programada. É necessário, todavia tomar o conhecimento pelo cabresto, na marra e não abrir mão do mesmo.